A retroatividade de lei penal mais benéfica e as alterações no Código de Trânsito Brasileiro

Recentemente, entraram em vigência diversas alterações no Código de Trânsito Brasileiro introduzidas pela Lei nº 14.071, de 2020.

Uma importante modificação se deu na regra que trata da penalidade de suspensão do direito de dirigir por acúmulo de pontos.

Até então, a regra era a de que a penalidade de suspensão do direito de dirigir deveria ser imposta sempre que o infrator atingisse a contagem de vinte pontos num período de 12 (doze) meses.

A nova regra, porém, prevê que a penalidade de suspensão do direito de dirigir será imposta sempre que o infrator atingir, no período de 12 (doze) meses, a seguinte contagem de pontos:

– 20 (vinte) pontos, caso constem 2 (duas) ou mais infrações gravíssimas na pontuação;
– 30 (trinta) pontos, caso conste 1 (uma) infração gravíssima na pontuação;
– 40 (quarenta) pontos, caso não conste nenhuma infração gravíssima na pontuação.

Diante disso, questiona-se se a nova regra pode ser aplicada ao caso de um infrator que, antes de sua vigência, tenha atingido mais de 20 (vinte) e menos de 40 (quarenta) pontos, sem qualquer infração gravíssima, ou mais de 20 (vinte) e menos de 30 (trinta) pontos, caso tenha cometido apenas uma infração gravíssima.

Entendemos que a resposta a tal questionamento deve ser positiva.

Isso porque a Constituição Federal, no seu art. 5º XL dispõe que a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu.

Conquanto o texto constitucional utilize a expressão “lei penal”, sua interpretação deve ser otimizada em favor do indivíduo, compreendendo não apenas as normas de cunho penal em sentido estrito (crimes), mas também aquelas dotadas de caráter punitivo.

Importante registrar que o STJ, por ocasião do julgamento do RMS 37.031, em 08.02.2018, decidiu que o princípio da retroatividade da lei penal mais benéfica, insculpido no art. 5º, XL, da Constituição da República, alcança as leis que disciplinam o direito administrativo sancionador.

E mais, o ministro Carlos Ayres Britto, em voto-vista no julgamento do RE 600.817, asseverara que “em sede de interpretação do encarecido comando que se lê no inciso XL do seu art. 5º, a Constituição não se refere à lei penal como um todo unitário de normas jurídicas, mas se reporta, isto sim, a cada norma que se veicule embutido em qualquer diploma legal” (STF, RE 600817, relator min. Ricardo Lewandowski, Tribunal Pleno, DJe 30/10/14).

Portanto, entendemos que a regra da penalidade de suspensão do direito de dirigir se reveste de nítido caráter de direito administrativo sancionador, e, em razão disso, está sujeita ao princípio da retroatividade da lei penal mais benéfica.

Por Giovani Bogo

Advogado – OAB/SC nº 15.929