Breves comentários sobre a Recomendação 8.021/2020 da Procuradoria Regional do Trabalho da 12ª Região

A Recomendação n° 8021/2020 (confira na íntegra clicando aqui), da Procuradoria Regional do Trabalho de Santa Catarina, traz uma série de condições pertinentes a práticas relacionadas às gestantes e puérperas em relação à Covid-19. Sendo assim, o Ministério Público do Trabalho (MPT) recomenda a adoção de medidas que refletem diretamente aos empregadores.

A Recomendação em epígrafe, em síntese, orienta os empregadores a afastarem as empregadas gestantes do trabalho presencial, determinando a adoção do sistema de labor por teletrabalho (home office) ou aplicação de medidas como concessão de férias, suspensão do contrato de trabalho para fins de qualificação ou “outras permitidas pela legislação vigente”, explicitando ainda que, no caso da impossibilidade da aplicação de qualquer dessas medidas, o empregador devera dispensar o comparecimento ao trabalho, porém sem prejuízo remuneratório, ou seja, deverá continuar pagando os salários normalmente mesmo sem a prestação de serviços.

Ainda, há disposição de que eventual negativa deverá ser comunicada ao MPT, para adoção de medidas legais cabíveis, indicando que o órgão promoverá medidas judiciais destinadas a compelir as empresas à observância das recomendações e, ainda, a responderem civil e criminalmente por práticas omissivas ou comissivas. Por fim, há a comunicação dos sindicatos laborais a respeito do assunto, assim como de outras instituições.

Data maxima vênia, a Recomendação do MPT não tem o condão de determinar às empresas que tais práticas sejam realizadas de forma indistinta. O instrumento orientativo não tem natureza vinculativa, ou seja, não é capaz de gerar a obrigação indistinta sobre o seu conteúdo, que não é normativo.

De se destacar que nenhum dos documentos citados pelo MPT, nem mesmo o “Protocolo de Manejo Clínico da Covid-19 na Atenção Especializada” do Ministério da Saúde, indica a necessidade do afastamento da gestante do trabalho presencial e, o que é mais relevante, os documentos e estudos citados não demonstram qual a correlação entre o afastamento do trabalho e uma hipotética redução das chances de contágio.

Aliás, analisando o conteúdo do estudo publicado no International Journal of Gynecology Obstetrics em em 29/07/2020, citado pelo MPT (Disponível em https://obgyn.onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.1002/ijgo.13300), observa-se que a região sul do Brasil (incluindo, portanto, não apenas Santa Catarina mas sim os três estados da região) não contribuiu com um único caso sequer para a formação da referida taxa de mortalidade de 12,7% entre as gestantes no Brasil, conforme se observa da reprodução abaixo da tabela contida no aludido estudo:

O fato é que a transmissão da Covid-19 é generalizada, inexistindo local específico para o contágio. Nesta linha, entende-se que as empresas têm o dever legal de realizar a aplicação de todas as medidas necessárias ao combate à disseminação do vírus, incluindo-se aí as boas práticas repassadas pelas autoridades sanitárias, estas bastante divulgadas e conhecidas, o que não significa dizer que as gestantes estão sujeitas, no local de trabalho, a um risco maior de contágio do que em outros locais como a própria residência, no caso de contato com familiares que não estejam em isolamento absoluto.

A Covid-19 não é, por si só, classificada como uma doença ocupacional. É certo de que a análise não é simplesmente isolada e depende de toda a contextualização (do tipo de labor, da função exercida, do histórico de contágio da empresa, das práticas de combate adotadas, do grau de zelo, etc.). O reconhecimento / classificação pode advir se alguns fatores não forem observados, e isso requer um cuidado constante.

Neste sentido, é fundamental que as práticas de saúde e segurança adotadas pelos empregadores em razão da pandemia de Covid-19 sejam devidamente documentadas a fim de que as empresas possam, em eventual fiscalização, demonstrar que tomaram medidas efetivas. Em eventual demanda, tal demonstração probatória será fundamental à defesa dos interesses, seja em relação a grávidas e puérperas como também relativamente a outras pessoas do grupo de risco ou de qualquer outro(a) colaborador(a) que não esteja assim classificado(a).

Entende-se que o MPT não pode exigir, p.ex., o afastamento remunerado das grávidas e puérperas ou mesmo a adoção compulsória de medidas conforme aduz a Recomendação. Não há lei específica sobre isso e, dentro do máximo ditame constitucional (Art. 5°, II, da Constituição Federal), “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.

A iniciativa, porém, serve de alerta máximo sobre as investidas que o próprio MPT ou mesmo os sindicatos das categorias profissionais poderão intentar sobre tais condições. E, para tanto, é indispensável o controle, documentação e o foco em todas as iniciativas pautadas no combate à Covid-19.

Elaborado em 23/10/2020, por:
André Vicente Seifert da Silva – OAB/SC 23.783
Marcel Tabajara Ruas Dias – OAB/SC 18.525

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