Em acórdão proferido em 13/08/2020, o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina consolidou entendimento quanto a responsabilização das companhias aéreas pelo cancelamento e demais situações que envolvam os clientes, ainda que os consumidores tenham adquirido as passagens por site intermediador.
Na ação, o autor relata que voaria da cidade de Joinville/SC para a cidade do Rio de Janeiro/RJ com a companhia TAM LINHAS AERÉAS S/A, sendo que as passagens aéreas foram adquiridas através do site DECOLAR.COM, um site intermediador de venda de passagens aéreas. No momento do embarque, o autor foi informado de que sua passagem havia sido cancelada, o que o impediu de viajar na data programada.
Durante o trâmite do processo, o passageiro/consumidor realizou acordo com o site intermediador (Decolar.com) no valor de R$ 18.000,00, e diante de sua homologação o feito passou a tramitar somente em face da empresa aérea.
Em sede de contestação, a empresa aérea arguiu a preliminar de ilegitimidade passiva, alegando, em síntese:
Inicialmente, deve-se destacar que a companhia aérea é ilegítima para figurar no polo passivo da demanda, uma vez que a contratação da passagem aérea ocorreu entre a corré Decolar e o Autor.
Desta forma, depreende-se dos autos que, a companhia aérea não realizou nenhum enlace comercial com o demandante, fato que o próprio Autor descreve em no segundo parágrafo do tópico dos fatos.
O único contato realizado entre a companhia aérea e o Autor ocorreu no aeroporto antes do embarque, esclarecendo a companhia aérea que o ato não produziu seus efeitos devido ao cancelamento da emissão do bilhete pelo agente que administra o cartão.
A empresa aérea finaliza aduzindo que o autor deveria direcionar sua pretensão a empresa que lhe vendeu o bilhete, qual seja, o terceiro intermediador, e não a empresa que apenas realizaria o transporte aéreo, pois, segundo a mesma, todas as tratativas ocorreram entre o autor e o site intermediador, argumentando a inexistência de relação material entre o autor e a companhia aérea.
Na sentença, o juiz afastou a preliminar de ilegitimidade passiva sob o argumento da responsabilidade objetiva das empresas aéreas e demais fornecedores de serviços:
A alegação, formulada pela requerida TAM Linhas Aéreas S/A, de que é parte ilegítima para figurar no presente feito não pode ser acolhida, haja vista que, como é cediço, esta responde de forma objetiva, por força da relação de consumo firmada entre os litigantes. Inclusive, a sua responsabilidade é solidária à da segunda ré – esta última, no entanto, desonerou-se de sua obrigação de reparar, mediante a transação antes entabulada (pp. 267/269).
O argumento advém principalmente do disposto no artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor:
Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.
Inúmeras são as falhas diárias na prestação de serviços de transporte aéreo dentre elas estão: atrasos ou cancelamentos de voos, overbooking (venda de passagens além do número de assentos), extravio ou avaria de bagagem, e ainda, o não cumprimento dos programas de fidelização ou milhagem oferecidos por algumas empresas.
Configurada qualquer dessas falhas na prestação do serviço, as empresas aéreas respondem de forma objetiva, ou seja, independentemente de culpa, bastando a comprovação da ação ou omissão do agente, o resultado negativo e o nexo causal entre o agente da empresa aérea e o dano.
Há existência do nexo causal, quando da existência de um site intermediador, entre a empresa aérea e o consumidor advém da permissão da mesma para que intermediador venda e divulgue os serviços da empresa aérea, conforme também restou consignado na sentença:
Do mesmo modo, não pode ser acolhido o argumento no sentido de que a primeira ré não cometeu ilícito. Isso porque, na medida em que a companhia ré autoriza que intermediadoras vendam as suas passagens aéreas, é certo que deve ser responsabilizada pelo cancelamento injustificado da passagem, por força de sua prefalada responsabilidade objetiva solidária.
Inconformado com os argumentos do Juízo a quo, a empresa aérea recorreu da decisão. No acórdão, restou confirmada a responsabilidade da empresa aérea no sentido de que a mesma é responsável pelos cancelamentos e demais situações que envolvam os clientes, mesmo que as passagens tenha sido adquiridas por meio de site intermediador:
Com efeito, restou incontroverso que o autor restou impedido de embarcar no voo pretendido para a cidade do Rio de Janeiro – RJ, uma vez que recebeu a informação que sua passagem havia sido cancelada, sem maiores explicações sobre a situação e sem auxílio ao autor pela ré Tam Linhas Aéreas S/A.
Observa-se que a companhia aérea é responsável pelos cancelamentos e demais situações que envolvam os clientes, mesmo que os consumidores tenham adquirido as passagens por site intermediador, como é o caso da Decolar.com Ltda., porquanto a ré Tam Linhas Aéreas autorizou a venda dos bilhetes aéreos por tal plataforma, assim como faz parte da cadeia de fornecedores, devendo ser responsabilizada solidariamente pelas condutas ilícitas praticadas contra o consumidor.
Nesse viés, a companhia aérea ré não comprovou as excludentes de responsabilidade previstas no art. 14, §3º do Código de Defesa do Consumidor, tampouco demonstrou que prestou auxílio ao autor e que tentou solucionar o caso. Pelo contrário, limitou-se a afirmar que inexiste comprovação do nexo de causalidade e que não cometeu ato ilícito.
Sob esse prisma, restou comprovado que a companhia aérea ré cometeu ato ilícito ao impedir o embarque do autor, mormente pelo fato de não ter apresentado motivos para tanto – como por exemplo, não demonstrou a solicitação do próprio autor para o cancelamento ou a ausência de pagamento da passagem -, evidenciando a falha na prestação de serviços. Ademais, não apresentou soluções ao problema do autor, mesmo após as tentativas de contato realizadas por este (fls. 51-52), devendo ser responsabilizada.
Sobre os danos morais, restou decidido que:
Nesse enfoque, data venia aos argumentos apresentados pela empresa ré, o episódio vertente, por suas particularidades, ultrapassa, em muito, casos de meros dissabores que estão sujeitos os utilitários dos serviços de transporte aéreo.
Como visto, em razão do cancelamento injustificado dos bilhetes aéreos, o autor foi impedido de embarcar no voo pretendido e perdeu o concurso que iria realizar na cidade do Rio de Janeiro – RJ, prova esta que havia sido planejada há meses, tendo o autor, inclusive, se preparado em um curso próprio para concursos, consoante consta dos documentos e da oitiva da testemunha arrolada pelo autor (fls. 39-40).
Acrescenta-se, ainda, que o caso não foi solucionado pela ré mesmo após as tentativas de contato realizadas pelo autor (fls. 51-52), ocasionando-lhe prejuízos de ordem moral e psicológica, o que implica na obrigação indenizar.
Por fim, em que pese o E. TJSC tenha mantido a condenação da empresa aérea, deu provimento parcial ao recurso para reduzir o quantum indenizatório para R$ 10.000,00:
Ante o exposto, dá-se parcial provimento ao recurso de apelação interposto pela empresa ré, para minorar o valor do dano moral para R$ 10.000,00 (dez mil reais), adequando-se a incidência de correção monetária a partir deste julgamento (Súm. 362, do STJ); de ofício, ainda, altera-se a incidência da correção monetária dos danos materiais a partir de cada desembolso e os juros de mora a partir da citação sobre o valor de ambas as indenizações, por se tratar de responsabilidade civil contratual, nos termos do art. 405, do Código Civil.
Número do processo: 0305051-34.2015.8.24.0038